"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião.Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar."
Nelson Mandela.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

CULTURA AFROETNOMATEMÁTICA- EQUIPE

CULTURA AFROETNOMATEMÁTICA- EQUIPE
 MULTIDISCIPLINAR-2012
PROFESSOR REINALDO SANTOS DE ALMEIDA
COLÉGIO WISTREMUNDO ROBERTO PEREZ GARCIA
TEXTO DE HENRIQUE COSTA JUNIOR
AFROETNOMATEMÁTICA

   Afroetnomatemática é a área da pesquisa que estuda os aportes de africanos e afro descendentes à matemática e informática, como também desenvolve conhecimento sobre o ensino e aprendizado da matemática, física e informática nos territórios da maioria afro-descendente. Os usos culturais que facilitam os aprendizados e os ensinos da matemática nestas áreas de população de maioria afro-descendente é a principal preocupação desta área do conhecimento.
   A afroetnomatemática se inicia no Brasil pela elaboração de práticas pedagógicas do Movimento Negro, em tentativas de melhoria do ensino e do aprendizado da matemática nas comunidades de remanescentes de quilombo e nas áreas urbanas cuja população é majoritária de descendentes de africanos, denominadas de populações negras. Esta afroetnomatemática tem uma ampliação pelo estudo da história africana e pela elaboração de repertórios de evidência matemática encontrados nas diversas culturas africanas. Este estudo da história da matemática no continente africano trabalha com evidências de conhecimento matemático contidas nos conhecimentos religiosos africanos, nos mitos populares, nas construções, nas artes, nas danças, nos jogos, na astronomia e na matemática propriamente dita, realizada no continente africano. O que é realizado para o continente africano tem sua extensão para as áreas de diáspora africana. A complexidade da racionalidade lógica africana é a matéria por trás destas pesquisas.
   A preocupação com o ensino e o aprendizado da matemática em territórios de maioria afro-descendente nasce da constatação das precariedades da educação formal matemática nestas áreas. Constatamos que em muitas das áreas de maioria afrodescendente, praticamente inexiste ensino competente e adequado da matemática, decorrendo daí um grande fracasso no aprendizado da disciplina que fica imputado a população e não à ineficiência do sistema educacional. Encontramos, em muitas destas áreas de maioria afro descendente, o credo esdrúxulo e racista de que “negro não dá para a matemática”. Este credo esdrúxulo cria sua própria cultura de naturalização social e passa exercer a sua força de reprodução, servindo como justificativa ideológica da ausência de políticas públicas do Estado para o ensino e aprendizado da matemática nestes territórios. “O dito” negro não dá mesmo para a matemática “inferioriza os afrodescendentes e cria um medo interior, uma rejeição à matéria matemática. Fica no ar um pensamento, como se os teste escolares de matemática revelassem a verdade do credo esdrúxulo, mostrando uma confirmação da suposta inferioridade cognitiva destes afrodescendentes para com a matemática. O credo serve para justificar a falta de ação adequada do sistema educativo às necessidades de aprendizado matemático dos afrodescendentes.A persistência de uma abordagem universalista produz discursos antipedagógicos, os educadores ensinam “igualzinho a todos”, e se deduz que “uns” aprendem, os euro descendentes de outras áreas sobre tudo, e “outros” não aprendem. Os outros tem designação social de pretos, pobres e pardos. Nós pesquisadores, interessados no desempenho matemático de afro descendentes, temos observados que nos territórios de maioria afro descendente, por vezes, não existe o ensino de matemática. Trata —se apenas de uma simulação de ensino. As aulas são descontínuas, dadas por
professores improvisados e de treinamento precário para o desempenho das suas funções. Onde ele existe é deficiente e desprovido dos meios e métodos adequados. No entanto, o ônus da deficiência de um sistema educacional que leva sempre à submissão e à inferiorização dos afro-descendentes, recai justamente sobre os afro-descendentes, dando a impressão de que temos uma dificuldade genética para a o aprendizado da disciplina. Assim, uma das tarefas importantes da Afroetnomatemática é o uso da historia de africanos e afro descendentes para mostrar o sucesso passado nas áreas da matemática e dos conhecimentos relacionados com esta, como a arquitetura e a engenharia.
  Dada esta finalidade da Afroetnomatemática é que organizamos este texto introdutório em quatro direções. Abrimos nosso caminho de exposição pela apresentação biográfica resumida de quatro expoentes da arquitetura e da engenharia afro-descendente na cultura brasileira. Seguimos pela exemplificação da matemática nas práticas culturais africanas. Reforçamos nosso argumento pelas realizações da Afroetnomatemática pelas práticas culturais das religiões do Candomblé no Brasil. Terminamos pela introdução de um jogo antigo africano, muito útil para a educação matemática brasileira atual. A função
deste texto é dar motivação ao leitor educador para ir consultar uma literatura mais ampla apresentada no final do texto.


AFRO-DESCENDENTES EXPOENTES NA ENGENHARIA E NA ARQUITETURA

   Na década de 1970 eu estudei engenharia na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Logo no início do curso, encontrei nesta escola a presença de dois destacados professores negros. Um já falecido, mestre na área de topografia e aero-fotometria, professor Sergio Sampaio; o outro, um dos engenheiros de renome nacional da área do planejamento de transportes, professor doutor Felix Bernardes. Comentando com meu pai sobre a presença deste professores ilustres, meu pai fez-me ver que a engenharia brasileira começa com grandes expoentes negros, dentre eles, Mestre Valentin, Theodoro Sampaio, André Rebouças, Antonio Rebouças, Manoel Quirino. A história dos afro-descendentes na engenharia brasileira é muito rica, mas um pouco difícil de ser recuperada, pois muitos dos participantes eram autodidatas, construíam sem ter diploma das escolas de arquitetura. Meu pai mesmo, sempre trabalhou em engenharia na Secretaria de Obras Públicas do Estado de São Paulo, como desenhista; no entanto, era autodidata e aprendeu arquitetura, fez muitos projetos cuja assinatura foi dada por outro profissional diplomado. Outra dificuldade é que o país sempre desprezou o conhecimento de africanos e afro-descendentes, devido aos racismos ou à falta de conhecimento dos responsáveis pela elaboração da cultura oficial.
   Mestre Valentim é um gênio afro-descendente, que inaugura o urbanismo no Brasil. Seu mais importante projeto, o “Passeio público do Rio de Janeiro”, construído em 1917, é o primeiro conjunto arquitetônico urbano do Brasil e das Américas com ajardinamento e obras de arte ao estilo francês. Trata-se de um gênio do urbanismo, da arquitetura e da escultura, cuja importância nacional em termos históricos só se equipara a Oscar Niemeyer.
   Theodoro Sampaio (1855-1937), engenheiro, dentre os mestres dos mestres, tem a minha maior admiração devido à riqueza da sua história de vida. Era filho de escrava, nascido em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, que depois de formado reuniu dinheiro para comprar a liberdade de sua própria mãe. Foi um expoente em diversas áreas do conhecimento, sendo pesquisador na geografia, no saneamento e na filosofia. Mesmo com a sua genialidade e cultura foi vitima das diversas facetas do racismo brasileiro, o que prejudicou em muito a sua carreira profissional e acadêmica, sem, no entanto, impedí-lo de deixar exemplar legado para as gerações futuras à sua época. Viveu e estudou em pleno escravismo criminoso. Estudou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e se formou em 1877. Foi engenheiro responsável pelos planos de água e saneamento das cidades de Santos e de Salvador. Foi professor da Faculdade de Filosofia e fundador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Dedicou-se também à política sendo deputado federal pelo Bahia em 1927. A rua Theodoro Sampaio, no bairro de Pinheiros em São Paulo, é uma homenagem de reconhecimento da sociedade paulistana a este ilustríssimo engenheiro negro baiano (Costa, 2001).
   No período do império, que também faz parte do período do escravismo criminoso que foi mantido pelo império brasileiro, um negro baiano teve grande destaque como advogado e estadista na Corte. Ficou conhecido pelo nome de conselheiro Antonio Rebouças. Era autodidata, devido aos seus conhecimentos obteve licença para exercer a advocacia em todo o país. Ganhou notoriedade nas lutas pela independência do Brasil, na Bahia. Este estadista teve dois filhos engenheiros que por suas obras fizeram nome na engenharia brasileira. Eles são André Rebouças (1833—1898) e Antônio Rebouças (1838— 1991) (Carvalho, 1998). O túnel Rebouças, existente na cidade do Rio de Janeiro tem este nome em homenagem ao engenheiro Antônio Rebouças. Os dois engenheiros são nascidos na cidade de Cachoeira, no interior da Bahia. Estudaram na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que antes tinha o nome de Escola Militar, formaram-se em 1860 em engenharia, tendo antes se bacharelado em Ciências Físicas e Matemática, em 1859, depois fizeram estudos complementares de engenharia em grandes estruturas na França. Antonio Rebouças se dedicou à construção de estradas de ferro e foi responsável pela construção da antiga estrada de ferro de Paranaguá, no estado do Paraná. Umas das maiores e mais belas obras da engenharia brasileira. André Rebouças projetou obras de abastecimento d’água do Rio de Janeiro e das Docas da Alfândega desta mesma cidade. Foi engenheiro do Exército Brasileiro durante a Guerra do Paraguai. Os irmãos Rebouças foram abolicionistas e lutaram em defesa dos direitos sociais dos africanos e afrodescendentes.
   Manoel Quirino foi artista plástico, arquiteto, professor de desenho, artesão, jornalista, pesquisador da cultura de base africana, político e sindicalista. Torna-se difícil falar de pessoa com tão amplo campo de conhecimento e com uma vida tão intensa. Se não tivesse sofrido as injustiças da cor da pele seria sempre citado e aplaudido como um grande intelectual brasileiro. O seu pensamento abre um ciclo de uma nova forma de pensar o africano e as culturas africanas no Brasil. Somente em tempos recente foi dada a importância que a sua obra merece (Leal, 2004), (Sodré, 2001). Nasceu em pleno tempo de escravismo criminoso na Bahia, em 1851, e foi criado sobre as marcas deste sistema injusto. Ficou órfão e foi criado por uma família que logo percebeu seus talentos artísticos e o enviou para os cursos de artes. Foi convocado quando jovem para a Guerra do Paraguai, indo para o Rio de Janeiro, mas devido aos seus estudos conseguiu ficar livre do recrutamento. Voltando à Bahia, iniciou ampla atividade sindical. Fundou, em 1874, a Liga Operária de Artesãos da Bahia. Foi nomeado vereador de Salvador, sendo reeleito pelo partido Operário. Paralelo às atividades político-sindicais, completa os estudos em artes e tornou-se professor de desenho. Dos estudos em artes do desenho evoluiu para a arquitetura. Foi intelectual ligado ao Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, escreveu no jornal a Província e O Trabalho. Morreu em 1923 deixando vários livros sobre a cultura africana no Brasil.
   A nossa ancestralidade é a nossa história, ela é a base da nossa identidade étnica, da nossa ancestralidade. Na arquitetura e na engenharia brasileira essa base é muito boa, por isto deveríamos cultuá-la e cuidar para que nos inspire no presente para formarmos grandes engenheiros afro-descendentes. Na ancestralidade mais antiga africana, a religião também registra feitos importantes nas áreas de tecnologia, matemática, arquitetura e engenharia, dados nos mitos sobre Inquisses (Nkisis), ou de Orixás como Ogum e Oya (Gleason, 1999).

Nota-se que esse é um barco egípcio construído em uma arquitetura egípcia com utilização de conhecimentos do norte da África
 









AFRICANOS NO USO DA MATEMÁTICA
Pequeno Conto:
O fazedor de fumaça branca.

Parece ser costume de certas tribos européias realizar um estranho ritual. Todas as vezes quando vão falar de África o fazem em ambientes fechados e acendem grandes fogueiras. A fumaça branca logo toma o ambiente e tolda os olhos, e  mesmo olhando para as coisas da África eles não vêem nada.O hábito das fogueiras foi por muito tempo praticado pelas comunidades de cientistas. Um dia, alguns aboliram este método e se surpreenderam com o que viram. Qual a surpresa quando viram na África todas a origens dos conhecimentos europeus.A vaidade era talvez a maior destas
      fogueiras.

 













   A prepotência européia fez com que as teorias racistas tivessem espaço na ciência do ocidental, atrasando significativamente os conhecimentos sobre o continente Africano. Os povos africanos foram denominados de tribais, incultos, meio irracionais e desprovidos de civilização. A onda de racismo nas ciências se proliferou nos séculos 19 e 20. Infelizmente, até hoje faz parte do conhecimento difundido por muitos educadores sem informações consistentes sobre o continente africano. Esta ausência de informação e prática da desinformação fazem desses educadores uns racistas inconscientes das suas
formas de ação. Deste fato resulta que muitos não se consideram racistas, mas executam práticas educacionais e sociais racistas. As práticas sociais inadequadas impediram a ciência e os educadores de verem o esplendor das culturas de base africana e da contribuição destas para o conhecimento da humanidade.
   Muitos dos feitos no campo do conhecimento matemático eram considerados restritos ao Egito; não se via que estes conhecimentos se expandiram por extensas regiões do continente africano e que muitos dos conhecimentos foram transmitidos de outros povos africanos para o Egito. Quando eu leciono história africana (CUNHA JUNIOR, 1999), começo dividindo a África em macros regiões em torno das grandes bacias fluviais e daí desenvolvo um mapa das relações comerciais e culturais entre as diversas regiões africanas. Deste modo, mostro que os conhecimentos, sobretudo os científicos e tecnológicos, se propagam por todo o continente.
   No continente africano, as bases numéricas e as geométricas são diversas, mas existem em todos os povos, elaboradas em lógicas e formas de exposição que ficam às vezes de difícil interpretação para quem foi formado na cultura brasileira ocidental. Esta dificuldade de interpretação e compreensão da forma de exposição levou por muito tempo a conclusões errôneas sobre a inexistência de conhecimentos matemáticos importantes nestas culturas. As bases numéricas utilizadas são variadas (ZASLOVSKY, Claudia. 1973).
   Os conhecimentos de geometria no continente africano não se restringem ao que nós chamamos de geometria euclidiana. Outras lógicas de composição geométrica são encontradas. Uma delas, bastante difundida em diversas aplicações praticas, é a geometria fractal.
   Na geometria fractal cada elemento é constituído de um conjunto de elementos com o mesmo formato, mas em tamanho e disposição diferentes. Os exemplos da geometria fractal aparecem na construção de vilas de casas numa cidade, em formas de penteados de cabelos, em padronagem de tecidos ou em paredes acústicas em cabanas (Cunha Junior/ Menezes, 2002). Aqui no Brasil, as geometrias fractais aparecem nas culturas afro-descendentes, na arte, sendo um excelente exemplo alguns dos trabalhos de Emanoel Araújo, como também de Aluísio Carvão. No campo da matemática ocidental o conhecimento da geometria fractal é muito recente e tem tido grande utilidade nas áreas de produção de circuitos semicondutores, nos campos da informática para representação e reconstrução de formas complexas. As aplicações de geometria fractal estão relacionadas com as tecnologias da informática.
   Para exemplificar a realização de uma figura de geometria fractal foi tomado o fractal de quadrados do Zaire, que aparece no livro de Mubumbila sobre ciências e tradições africanas no Grande Zimbábue (Mubumbila, 1992). O Grande Zimbábue é uma região na África Austral. Neste Fractal as figuras de base são os quadrados e suas rotações e com ampliações dos lados dos quadrados nas mesmas proporções. Esta figura geométrica de base da esquerda aparece na cultura da região de diversas formas estilizadas. Ela está gravada em tecidos, leques de fibra vegetal e desenhos corporais. Entretanto, este fractal tem uma importância maior para a matemática. Ele permite termos uma demonstração original do teorema de Pitágoras pelas áreas das figuras geométricas inscritas. Trata-se de uma demonstração importante de geometria, bem difundida em uma grande região africana.
   Para quem quiser ver a demonstração, temos que a área do quadrado mais externo é igual à do quadrado interno mais os quatro triângulos retângulos complementares. O lado do quadrado interno é a hipotenusa do triângulo retângulo. O lado do quadrado externo é igual à soma dos lados do triângulo retângulo. A área do triângulo retângulo é a área do retângulo dividido por dois. Escrevendo a igualdade das áreas temos que o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos.



MATEMÁTICAS NOS TERREIROS

A minha formação em engenharia me levou a uma especialização em sistemas dinâmicos. Esta é uma área da matemática que lida com sistemas que têm movimento e faz este movimento armazenando energia. Eu também tinha conhecimentos em história africana e estava, em 1987, preocupado com as questões das tecnologias africanas transportadas e modificadas por africanos e afro-descendentes na história do Brasil e das Américas. Por esta razão eu vim a conhecer duas historiadoras que trabalhavam com história das tecnologias na África, as Dras. Adelina Apena, da Nigéria, e Glória Emengale, de Trinidad e Tobago. Ambas tinham se doutorado na Nigéria. Elas foram as pessoas que pela primeira vez me falaram dos trabalhos de Judith Gleason e Paulus Gerdes sobre matemática nas sociedades africanas. Nos anos 80, as ciências da matemática de sistemas dinâmicos complexos estavam impactadas pelo que era considerado nos avanços na ciência que era o triunfo da teoria do Caos. Esta teoria mudou muita a nossa visão de cientista sobre a organização das ciências. E sobre a nossa capacidade em prever fatos da natureza através das ciências. A teoria do Caos explica a organização interna de grandes distúrbios que pareciam ser totalmente desorganizados e sem uma explicação matemática. Foi uma teoria revolucionária que mostrou a importância de pequenos efeitos físicos na produção de gigantescos efeitos no futuro distante. A divulgação da teoria do Caos foi feita dizendo que ela demonstrava que a batida das asas de uma borboleta na Ásia poderia ser o início de uma imensa turbulência atmosférica como um tufão no Caribe alguns meses ou anos mais tarde. A exposição desta teoria do Caos se realizou por uma representação matemática específica em diagramas circulares mostrando as trajetórias caóticas das variáveis observadas. O que havia de impressionante em tudo isto? Estas representações da teoria do Caos já existiam há séculos nas representações da Deusa Oya, nas religiões africanas, em diversas partes da África. No Mali, na Nigéria, no Congo, em Angola, na África do Sul. Esta representação está relacionada na cultura de Terreiro, com os fenômenos de turbulência atmosférica de grandes ventos.
   O trabalho de Judith Gleason era mais surpreendente, pois mostrava a existência de uma combinação turbulenta atmosférica de dimensão continental e de formação caótica justamente sobre o continente africano e muito bem representada no conhecimento religioso do Candomblé. Deduzimos daí que o conhecimento da teoria do Caos, que é recente para a ciência ocidental, já estava registrado e exemplificado como
conhecimento religioso africano de diversas formas. Esta impressionante constatação mexeu demais com a minha emoção e com o meu respeito para com os conhecimentos de Terreiro, ou melhor dizendo, para com o conhecimento guardado pelas sociedades tradicionais afro-descendentes.
   O meu respeito pelo conhecimento ancestral triplicou; não se tratava apenas da minha história, mas de histórias significativas para o conhecimento da humanidade. Desde então, a procura se ampliou e não tinha como não deixar de se inquietar pela organização dos chamados jogos de adivinhação africanos (BASCOM, 1980), cujo um dos exemplos bastante conhecido é o jogo de Búzios no Brasil. A informática trabalha com zeros e huns, constituindo uma base da estrutura de cálculo binária, desenvolvida pela álgebra de Boole. Neste sistema os números de elementos 2, 4 e 16 são de grande significado. Os computadores eletrônicos evoluíram nas combinações resultantes de 16 elementos, bits, para 32, 64, 256, 1024 e 4096 e assim por diante.           O interesse científico com relação à cultura de Terreiro aparece quando observamos que os jogos africanos seguem esta mesma lógica. Os elementos de partida no jogo de búzios são 16, e se procura a informação pela combinação desta probabilidade de ocorrência do búzio aberto, (um) e do búzio fechado, (zero), numa estrutura de 16, combinados dois a dois.
   O jogo de búzios é realizado por especialista depois de um longo período de formação. Pois ao movimento das peças do jogo que são os búzios tem associado uma interpretativa filosófica que são os Odus, e cuja complexidade implica numa ampla reflexão sobre o destino possível dos seres individuais e da sociedade na sua totalidade. Nas sociedades africanas tradicionais, esta formação de especialista no jogo dura períodos de até 20 anos. Mas e existência de uma estrutura numérica 2, 4, e 16 nos terreiros poderia ser tida como simples coincidência. Assim seria, mas não é. Não é dado o conhecimento pelos africanos de jogos de tabuleiros com esta estrutura de 16 casas e jogados com dois elementos, nos quais se podem fazer cálculos em diversas bases numéricas, em particular na base binária.
   O conhecimento do equivalente à álgebra de Boole, Ocidental, nas sociedades africanas, é possível que date de mais de 3.000 anos. O professor Dr. Africano Muleka, radicado no Brasil e trabalhando em Jequié, na Bahia, defendeu tese na Universidade de São Paulo, apresentando estas evidências dos jogos de Búzios e a ligação destes com os cálculos de estruturas computacionais. Estes são dois dos muitos exemplos significativos de conhecimentos em matemática e informática que podemos encontrar nas culturas de comunidades de terreiros.

AWARE, UM JOGO MILENAR AFRICANO
    Aware ou Oware é um jogo que era jogado especialmente pelos povos Ashanti de Gana, e foi devido ao estudo deste povo que tomei o primeiro conhecimento deste jogo em 1982. Mas depois vim a saber que este jogo é encontrado em muitas regiões africanas com diferentes nomes. Adi, no Daomé, Andot no Sudão, Wari ou Ouri, no Senegal e Mali.
   O jogo também chegou a diversas regiões das Américas, inclusive ao Brasil com os nomes de Oulu, Walu, Adji e Ti. Estas denominações fazem parte de um conjunto de jogos e formas de cálculo em tabuleiros, encontrados nas diversas partes da África e da diáspora Africana, que podem ser generalizados sob o nome de Mancala. Algumas mancalas são ábacos usados para cálculo aritmético, como se fosse um computador de madeira. As mancalas são jogos executados em tabuleiros de madeira, geralmente muito ornamentados, têm duas filas de casas côncavas para cada lado de cada jogador. Nas bases das seqüências de casas temos duas cavidades maiores que servem de depósito das peças capturadas durante o jogo por cada jogador. As mancalas mais conhecidas têm duas fileiras paralelas de seis casas e são atribuídas a cada casa quatro peças ou  quatro sementes para o funcionamento do jogo. Temos mancalas, como o Yolé, com 30 casas, organizadas em 5 colunas e jogadas com 12 peças de cores diferentes em cada casa.
   Na versão mais simples da mancala, temos o tabuleiro de 12 casas e o jogo começando com 4 peças em cada casa. O objetivo do jogo é de recolher o maior número possível de peças do jogador oponente. Para realizar o jogo um dos jogadores vai tomar as peças de uma das suas casas e distribuí-las nas casas do outro jogador, sendo uma por cada casa no sentido anti-horário. Neste sentido os depósitos das extremidades do tabuleiro têm a função de casa. Quando se passa pelo próprio depósito se deixa aí uma das peças, quando na distribuição se passa pelo depósito do oponente, se pula a distribuição. Quando na distribuição das peças de uma casa para as outras, a última peça cai no seu depósito, então você joga de novo. Mantém-se, assim, o mando do jogo. Ou seja, escolhe-se uma casa e distribui-se as peças aí contidas, uma a uma, em seqüência antihorária. Agora, na distribuição das peças, se a última cair numa casa do seu lado, você leva para o seu depósito todas as peças aí contidas. Se o buraco estiver vazio, leva-se esta peça e todas da casa do lado oposto.
   O jogo termina quando toda uma fileira de casas de um jogador estiver vazia. Aí se contam as peças contidas em cada depósito, vencendo quem tiver maior número de peças. O jogo implica numa constante observação de qual casa se começa a tirar as peças e qual o número de peças contidas para se manter a continuidade de mando do jogo. Em algumas regiões da África, o jogo é realizado na área á frente das casas ou no terreiro, largo pátio que circunda a casa; toda esta área que perfaz o entorno da casa é o seu terreiro. Não é por acaso que no Brasil as comunidades religiosas de matriz africana são denominadas “terreiro”. Cavam-se pequenos buracos em linha reta e utiliza-se pedregulhos ou conchas como peças para os movimentos. O mesmo pode ser realizado sobre uma mesa, com pires de xícaras de café ou de chá e um prato de sobremesa como depósito.


Referências



BASCOM, William. Sixteen Cowries. Yoruba divinations from África to the new World. Indianapolis - USA: Indiana University Press. 1980./ 1993.

CARVALHO, Maria Alice Rezende. O Quinto Século. André Rebouças e a Construção do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1998.

COSTA, Luiz Augusto Maia. O Ideário Urbano Paulista na Virada do Século. Engenheiro Teodoro Sampaio e Urbano Moderno (1886 — 1903). São Paulo: Dissertação de Mestrado. FAU — USP, 2001.

CUNHA JUNIOR, Henrique / MENESES, Marizilda. Formas Geométricas e Estruturas Fractais na Cultura Africana e Afrodescendentes. São Carlos: Anais do Segundo Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros.
2002.
CUNHA JUNIOR, Henrique. Africanidade, Afrodescendência e Educação. Revista Educação em Debate, Fortaleza: Ano 23 v.2, numero 42. Ano 2005 pp. 5- 15.
GERDES, Paulus. Geometria shona. Maputo: Instituto Superior Pedagógico, 1993.
__________. Vivendo a matemática: desenho da África. São Paulo: Scipione, 1990.

GLEASON, Judith. OYA: Um louvor a Deusa Africana. Rio de Janeiro — RJ: Bertrand Brasil Editores, 1999. LEAL Maria das Graças Andrade. Manoel Quirino: Entre Letras e Lutas. Bahia 1851-1923. Tese de Doutoramento em Historia. PUC — São Paulo. 2004.

MUBUMBILA, V. Sciences et Traditions Africaines. Les Messages du Gran Zimbabwe. Paris: L´Harmattan, 1992.

OLIVEIRA, Eduardo David. Filosofia da Ancestralidade. Corpo e Mito na Filosofia da Educação Brasileira. Fortaleza: Tese de Doutoramento. Faculdade de Educação. UFC. 2005.

SODRÉ, Jaime. Manoel Quirino: Um herói de raça e classe. Salvador: 2001.
ZASLOVSKY, Claudia. “How African count” in: African counts, numbers and patterns in Africa culture. S.l.: Prindle Weber and Smith, 1973. p. 39-51.

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